Paulo Campos Fernandes
Beatriz Rossi Mendonça Costa[1]
A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (“ANP”) aprovou, no dia 07 de março de 2024, a Análise de Impacto Regulatório (“AIR”) referente aos teores de hidrocarbonetos no gás natural estabelecidos pela Resolução ANP nº 16/2008.
Destarte, foi realizada a avaliação das possíveis soluções para o enfrentamento do problema regulatório consubstanciado no fato de os teores de hidrocarbonetos presentes no gás natural de diferentes fontes e ofertantes não se enquadrarem na norma em epígrafe.
Importa destacar que a Resolução ANP nº 16/2008 estabelece a especificação do gás natural, nacional ou importador, a ser comercializado em todo território nacional. Deste modo, são determinados os parâmetros como poder calorífico, Índice de Wobbe, teores dos componentes do gás natural, como metano, etano, propano, e gases inertes, entre outros. A título de exemplo, a mencionada resolução determina o limite máximo de 12% de etano na composição do gás natural a ser comercializado no Brasil e, caso a composição média apresente um conteúdo de etano maior do que o permitido, o excedente de etano deve ser separado antes da entrada no gasoduto e vendido separadamente.
Esta questão provocou sensíveis discussões entre produtores e demais agentes do mercado de gás natural, sobretudo consumidores e distribuidores, sobre os limites estabelecidos para os teores de hidrocarbonetos do gás natural, no que tange aos limites de especificação do gás natural canalizado, em especial sobre o teor de hidrocarbonetos.
Neste particular, a problemática gira em torno do gás natural associado ao pré-sal, cada vez mais preponderante na oferta de produção nacional, que possui características intrínsecas que o diferem do gás do pós-sal, tradicionalmente explorado e produzido no Brasil. Tais características deste gás produzido refletem uma composição com elevado nível de etano, propano, butano e gasolina natural, excedendo os limites regulamentados na Resolução ANP nº 16/2008.
Contudo, os dados disponíveis ainda não permitem propor uma opção com valores diferentes dos vigentes para os teores de hidrocarboneto, capaz de contemplar as especificidades do pré-sal. Este fato pode ser observado na Autorização ANP nº 836/2020, concedida em caráter especial, permitindo a comercialização do gás natural com teor de metano diferenciado. Ocorre que as características composicionais específicas de teores de hidrocarbonetos não são adequadas tecnicamente aos demais casos preexistentes e futuros.
Assim, a complexidade do tema exigia a realização de estudos sobre os impactos de uma eventual flexibilização da especificação do gás para os produtores e para os demais agentes da cadeia do gás.
Consequentemente, a AIR avaliou as possíveis consequências do problema regulatório identificado, considerando os impactos positivos ou negativos de alterações nas especificações do produto, de complexa mensuração, tendo como objetivo definir a especificação do gás natural quanto aos teores de hidrocarbonetos, frente às novas fontes de suprimento, com equilíbrio quanto aos impactos possíveis, desde a produção até o consumo.
Dentre as opções regulatórias vislumbradas, após análise dos possíveis impactos econômicos e ambientais, foi adotada a opção em favor da manutenção das especificações do gás natural prescritas na resolução vigente, no que diz respeito aos limites de hidrocarbonetos, e prever, adicionalmente, dispositivo no texto que possibilite alterações desses limites para casos específicos. Esta opção foi considerada como ponto mediano entre as demais opções, ao passo que mantém a especificação vigente e possibilita que, em situações especiais e sob condições e acompanhamento cabíveis, a Agência possa autorizar a comercialização do gás natural com parâmetros diferentes aos estabelecidos em norma.
O diretor relator votou pela aprovação da opção regulatória identificada, destacando a complexidade da matéria e que a opção adotada traz flexibilidade aos casos futuros e específicos quando devidamente amparados pela área técnica, sem prejuízos à regulação em vigor sobre a especificação de gás no país. O relator foi acompanhado pelos demais diretores, sendo o Relatório da AIR aprovado por unanimidade.
Esta questão se mostra importante para o setor de biometano, uma vez que este energético recebe o mesmo tratamento regulatório do gás natural. Há, portanto necessidade de se avaliar e refletir se sob o mesmo fundamento haveria conveniência de se criar mecanismo semelhante nas Resoluções nos 886 e 906, ambas de 2022, que dispõem sobre a especificação do biometano.
Tendo em vista a deliberação da diretoria da ANP, segundo o rito regulatório, o próximo passo a ser cumprido será a publicação de consulta pública sobre proposta da nova resolução.
Advogados do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados, membro do BiogasClub.